6 LIVROS DE FICÇÃO FORA DO ÓBVIO SOBRE CENSURA

Obras que misturam casos verídicos com outras que criam distopias e sociedades fictícias conseguem trazer a importância de entender questões históricas para falar do hoje. Conheça tramas que explicam fatos históricos com personagens e enredos tão fortes quanto criativos.

Em tempos de crise, a arte é resistência. Após cancelamento de séries pré-selecionadas em edital, recolhimento de HQ com beijo gay na Bienal, cancelamento da temporada de apresentações do grupo Clowns de Shakespeare e diversas outras situações, o amplo debate sobre o cercamento à liberdade artística no Brasil ganhou mais vozes e preocupações.

E para entender melhor como são os períodos de censura, o NÃO ÓBVIO recorreu a obras de ficção que nos transportam para realidades não tão distantes, e que se fazem necessárias nos dias atuais. São narrativas importantes para aprender, refletir e conhecer contextos históricos.

“Um povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la.”

Edmund Burke (1729-1797) 

Obras com histórias sobre a ditadura militar, desaparecimentos e perseguições políticas se misturam, no compilado, a sociedades fictícias que muito representam e refletem sobre a tortura, dificuldades ao acesso de informações e muita resistência. 

Confira a lista com livros de ficção que narram períodos históricos onde a liberdade de expressão era reprimida e atrasava toda a evolução social.

1. Nós | de Iêvgueni Zamiátin


Nós, escrito por Iêvgueni Zamiátin, é a distopia original que inspirou desde grandes clássicos do gênero – Admirável Mundo Novo, 1984, Laranja Mecânica e Fahrenheit 451 – até livros mais recentes, como Divergente e Jogos Vorazes. Apesar de ser base para tais tramas, a obra acaba não sendo tão popularmente reconhecida como elas e, por tal motivo, entra na nossa listagem.

Em suas páginas, o autor imaginou um governo totalitário chamado Estado Único que, supostamente pelo bem da sociedade, privou a população de direitos fundamentais como o livre-arbítrio, a individualidade, a imaginação, a liberdade de expressão e o direito à própria vida. Um mundo completamente mecanizado e lógico, onde as pessoas não possuem nomes, mas sim números, e o Estado dita os horários de trabalho, de lazer, de refeições e até de sexo.

A trama traz a história de D-503, um engenheiro que vive pleno e feliz (exatamente como ordena o grandioso Estado Único), mas começa a duvidar das próprias convicções ao conhecer uma misteriosa mulher que comete a ousadia de bular regras, e que o contamina com a doença chamada imaginação.

☌ Onde comprar: Editora Aleph
☌ Formato: físico
☌ Preço: R$ 64,90
☌ Ano de lançamento: 1924 | 2017 (última edição)
☌ Editora: Aleph
☌ Páginas: 344

2. Tempos Extremos | de Míriam Leitão 


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Publicado em 2014, Tempos Extremos é o primeiro romance da conceituada jornalista Míriam Leitão e apresenta através de camadas históricas, dois períodos obscuros e tristes da história do Brasil: a escravidão e a ditadura militar.

Com uma viagem no tempo, a narrativa apresenta os mistérios de uma fazenda perdida entre as serras das Minas Gerais, para contar a história de uma família típica brasileira. Conduzido pela sonhadora Larissa, a jovem abre as feridas em busca da sua própria identidade. 

Formada em jornalismo, Larissa sofre uma desilusão com a profissão e resolve cursar História. E é durante uma reunião familiar para celebrar o aniversário da matriarca Maria José, que a jovem recebe um convite para conhecer a parte esquecida da história daquele lugar. 

Tempos Extremos usa realismo mágico para conectar os fatos históricos e reafirma a importância de discutir e conhecer os vestígios deixados por lados tão sombrios do país. 

☌ Onde comprar: Amazon (e-book) | Livraria Cultura | Livraria da Travessa | Submarino | Americanas
☌ Formato: físico e e-book
☌ Preço: R$ 34,90
☌ Ano de lançamento: 2014
☌ Editora: Intrínseca
☌ Páginas: 272

3. Incidente em Antares | de Érico Veríssimo


Mais conhecido pelos amantes de clássicos ou por gerações passadas e publicado no auge da ditadura militar, Incidente em Antares é uma trama em que os lados cômicos e dramáticos servem (ambos) como metáforas críticas sobre a política brasileira. O livro, que foi uma das últimas publicações do gaúcho Érico Veríssimo, consegue ser atual, poética e densa.

Na obra, após declararem greve, os trabalhadores da cidade de Antares saíram para o almoço e não voltaram. Sete deles morreram, e ainda dentro do caixão, a espera de serem enterrados, se levantam e vão até a cidade. Eles, agora que são defuntos, podem fazer críticas e denúncias.

O livro é, então, dividido em duas partes, Antares e o Incidente. Na primeira parte do romance, Antares, que é uma cidade fictícia situada no Rio Grande do Sul, é palco do conflito entre duas famílias da região. A descrição da cidade e a noção dos extremismos entre as duas famílias que brigam pelo poder começam a desenlaçar mais críticas pelas páginas.

O Incidente, que dá nome à segunda parte do livro e também ao título, acontece em uma sexta-feira, dia 13 de dezembro do ano de 1963, e coloca Antares – até então esquecida pelo país –, no radar do Rio Grande do Sul e do Brasil.

☌ O romance de Érico Veríssimo foi adaptado para a televisão pela rede Globo. Entre 29 de novembro de 1994 e 16 de dezembro de 1994 foram exibidos, às 21h30, 12 capítulos de Incidente em Antares.

☌ Onde comprar: Amazon | Livraria Travessa | Livraria Cultura | Submarino
☌ Formato: físico
☌ Preço: R$ 24
☌ Ano de lançamento: 1971
☌ Editora: Globo
☌ Páginas: 485

4. As Meninas | de Lygia Fagundes Telles


Da consagrada autora brasileira Lygia Fagundes Telles, o livro As Meninas pode não ser conhecido pela nova geração. Lançado em 1973, o romance aborda temas que continuam atuais, em uma crítica ao regime vigente, e rompe questões morais de uma sociedade machista. 

A obra faz um panorama da sociedade brasileira no final dos anos 60, apresentado a vida de três jovens universitárias que vivem em um pensionato de freiras paulistano. Lorena, Lia e Ana Clara têm personalidades muito diferentes, mas são unidas pela amizade ao dividirem suas angústias típicas da juventude.

Por utilizar a técnica de fluxo de consciência, onde a autora tenta inserir o leitor dentro dos pensamentos de cada personagem, o livro pode parecer confuso no início. A personalidade marcante de cada uma das protagonista, no entanto, garante o reconhecimento e identificação das personagens, fluindo cada vez melhor.

Com grande importância histórica, o romance faz críticas ao governo da época (1973), sendo bem corajoso ao descrever uma sessão de tortura e trazer questões feministas à frente do seu tempo.  

☌ Onde comprar: Saraiva | Amazon (e-book) | Livraria Cultura
☌ Formato: físico e e-book
☌ Preço: R$31,70
☌ Ano de lançamento: 1973
☌ Editora: Companhia das Letras
☌ Páginas: 304

5. O Amor, Esse Obstáculo | de Micheliny Verunschk


O romance brasileiro O Amor, Esse Obstáculo, quebra o silêncio e aborda assuntos como censura à imprensa e boicote a arte, e encerra a Trilogia Infernal da autora, composta pelos livros: Aqui, no Coração do Inferno (Patuá, 2016) e O Peso do Coração de um Homem (Patuá, 2017), finalista do Prêmio São Paulo de Literatura 2018. 

Micheliny Verunschk regata por meio da ficção e quebra o silêncio marcado pelo período da ditadura militar no país. Um convite para conhecer o passado, entender e refletir sobre a repressão sofrida na época. 

Com a morte do pai, a narradora Laura utiliza uma maleta deixada com células de identidade para iniciar uma pesquisa e desvendar histórias de pessoas desaparecidas, vítimas do regime militar. 

Com a possibilidade de ajudar e possibilitar o encontro de parentes que se perderam, o romance é um mergulho para esse período tão sombrio da história recente do país, dando voz aos personagens que foram reprimidos na época. 

“A ditadura é um assunto que incide silenciosamente, insidiosamente em várias gerações, em todos os que viveram e sobreviveram a ela, até hoje. Não por acaso surgem na cena literária contemporânea cada vez mais ficções sobre esse período, escritas por autores nascidos pós-golpe de 1964.

Quebra-se assim o silêncio que tanto marcou a infância e a adolescência dos filhos da ditadura. É como se só recentemente, na vida madura, percebêssemos enfim os efeitos catastróficos de um regime militar que manipulou toda uma população na base do medo, da censura total à imprensa e do boicote a qualquer arte minimamente reflexiva”

Site Livraria Travessa

☌ Onde comprar: Livraria da Travessa
☌ Formato: físico
☌ Preço: R$ 38
☌ Ano de lançamento: 2018
☌ Editora: Patuá
☌ Páginas: 168

6. K. Relato de uma Busca | de Bernardo Kucinski


A trágica história de uma busca durante a ditadura militar é tema do romance do jornalista, escritor e cientista político Bernardo Kucinski, que foi originalmente lançado em 2011 pela editora Expressão Popular e, em 2013, ganhou nova edição pela Cosac Naify. Em 2016, o livro chegou à Companhia das Letras.

A obra narra a história de uma pai em busca de respostas para o desaparecimento da filha, uma militante política durante a ditadura militar. Durante sua incansável procura, se deparada com a falta de informações e crueldade de um governo especializado em não deixar vestígios. 

Apesar de ficcional, a obra é inspirada na história da família do autor e conduz, através da ficção, a importância de observar quando algum tipo de censura está sendo importa, bem como a necessidade de preservar a memória e reconhecer a luta dos mortos pelo regime.

☌ Onde comprar:  Amazon (e-book) | Livraria Cultura | Submarino
☌ Formato: físico e e-book
☌ Preço: R$ 35,90
☌ Ano de lançamento: 2016
☌ Editora: Companhia das Letras
☌ Páginas: 176

EXTRAS:

EXTRA 1! Admirável Mundo Novo | de Aldous Huxlex


Admirável Mundo Novo, escrito por Aldous Huxley, é famoso e publicado em 1932, mas para aqueles que não conhecem a trama, ela fica aqui como extra.

A obra narra os casos de uma sociedade futurista, em que seus habitantes passam por um pré-condicionamento biológico e psicológico para que vivam em harmonia com as leis sociais e com um sistema de castas.

O objetivo maior é manter a ordem, mesmo que para isso todos passem por uma grande lavagem cerebral, eliminando qualquer senso de individualidade ou de consciência crítica sobre a realidade.

Na trama, toda a população é gerada a partir de reprodução artificial e manipulada geneticamente para atender às especificidades necessárias para cada grupo de pertencimento pré-determinado (Alfa+, Alfa, Beta+, Beta, Gama, Delta ou Épsilon), ao invés de ter “pai” ou “mãe”, os seres humanos saem das fábricas como carros.

Sem consciência da própria condição, essa sociedade é programada pelo governo para buscar o bem. A felicidade é um modelo ideal a ser seguido. Alienados, esses indivíduos sempre estão em constante felicidade. Será?

☌ Onde comprar: Saraiva | Amazon (e-book) | Livraria Travessa | Livraria Cultura
☌ Formato: físico e e-book
☌ Preço: R$ 30
☌ Ano de lançamento: 1932
☌ Editora: Biblioteca Azul
☌ Páginas: 312

EXTRA 2! Aqueles que Queimam Livros | de George Steiner


Aqueles que Queimam Livros reúne três ensaios do autor Steiner, que é professor doutor de literatura e já lecionou em diversas universidades ao redor do mundo. Em Povo do Livro (1999), sengundo ensaio da obra, o escritor traz nitidamente a discussão sobre a censura dos livros e suas consequências em uma sociedade que permite tal feito.

Os demais ensaios não deixam também de abordar consequências possíveis de diversas censuras nas entrelinhas, mas dessa vez fazem isso focando em importâncias como o poder da argumentação. É o caso do primeiro escrito, por exemplo, que dá título ao livro e foi elaborado em 2000.

O primeiro ensaio traz como discussão de base como o mesmo livro afeta as pessoas de formas diferentes e imprevisíveis; assim como exibe como a mesma pessoa, em tempos diferentes de sua vida, pode interpretar texto de outra forma quando se compara com a leitura anterior.

Já no terceiro e último escrito, há um contraponto ao anterior, argumentando sobre a desumanização de quem é enredado nas formas doutrinadas de pensamento, como no hedonismo dedicado aos livros e a leitura.

” Os livros são a nossa chave de acesso para nos tornarmos melhores do que somos. A capacidade deles de produzir essa transcendência suscitou discussões, alegorizações e desconstruções sem fim. O encontro com o livro, assim como com o homem ou a mulher, que vai mudar a nossa vida, frequentemente em um instante de reconhecimento do qual não se é consciente, pode ser completamente casual. O texto que nos converterá a uma fé, nos fará aderir a uma ideologia, dará a nossa existência um fim e um critério, podia estar ali a nos esperar na estante dos livros em promoção, dos livros usados e em desconto. Talvez empoeirado e esquecido, na estante exatamente ao lado do livro que procurávamos.”

Sinopse do Livro Aqueles que Queimam os Livros

☌ Onde comprar: Amazon | Ayine
☌ Formato: físico
☌ Preço: R$ 14
☌ Ano de lançamento: edição: 2ª (20 de dezembro de 2017)
☌ Editora: Ayine
☌ Páginas: 92

A foto de abertura é da Revista Objetiva.

Esta matéria foi feita com colaboração de Karol Amaral e Vanessa Brunt, editora-chefe do NÃO ÓBVIO.

Autor: Jéssica Zoleti • @jessicazoleti

Produtora audiovisual, apaixonada por arte e viagens.

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